28 setembro, 2006

│mão de fogo│



não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. quando
as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.

e então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo

não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço

e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfregados meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave - qualquer
coisa extraordinária.
porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,
que te procuram.

herberto helder

27 setembro, 2006

│navigateurs du soleil incandescent│



«uma ave de palavras escreve no espaço a remota sabedoria do voo,
depois desce e vem pousar suavemente na palma da mão.




e digo: se a noite vier
cheia de luzes ilegíveis de véus
de relógios parados - ergue as asas
fere o ar que te sufoca,
aquilo que perdeu o nome e se bebe como cicuta junto ao precipício.
depois
deixarei o dia avançar com o barco
que levanta voo e traz as notícias dos jornais
e o cheiro espesso das coisas esquecidas - os óculos
para ver o mar que já não vejo e um dedo incendiado
esboçando na poeira uma janela de ouro
e de vento.»



if they cheered, by lilium.

12 setembro, 2006

│azul possivelmente o mar│ # 2

todos os fechamentos são aberturas.
todos os finais são inícios.




ouvir significa suspender o próprio desejo e julgamento, e existir para a outra pessoa.



doce cegueira de ver dias sem paisagem só porque a languidez os obscureceu.
não olhar para trás.
e como olhar em frente, onde o corpo, aberta flor de cemitério, desperdiça o seu odor?


o princípio ou o fim. quem ouve não vê isso, mas antes um imenso espaço entre.
sei que dentro deste esvair existe grandeza, espera o pé ante pé dos dias.

eu aqui fico. há sempre um último toque redentor.

09 setembro, 2006

│noitarder│



hoje amanhã
não serei outra coisa, a fria, terra cristalina onde ficaram os teus passos
móveis, caminhando para a orla das árvores,
como um silêncio, tecido de luz, abrindo a névoa.

só pouco a pouco afasto das palavras
o som que importa
pobre de quem ouviu e não entende
pobre de quem entendeu e já não ouve.

antónio franco alexandre



07 setembro, 2006

│ﺞ│



deus tem que ser substituído rapidamente por poemas,
sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,vivos e limpos.

a dor de todas as ruas vazias.

sinto-me capaz de caminhar
na língua aguçada deste silêncio.
e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abismo.
sinto-me capaz de acabar com esse vácuo.

a dor de todas as ruas vazias.

mas gosto da noite e do riso de cinzas.
gosto do deserto, e do acaso da vida.
gosto dos enganos, da sorte e dos encontros inesperados.
pernoito quase sempre no lado sagrado do meu coração,
ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.

a dor de todas as ruas vazias.

sujo os olhos com sangue.
chove torrencialmente. o filme acabou. não nos conheceremos nunca.

a dor de todas as ruas vazias.

os poemas adormeceram no desassossego da idade.
fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais curto.
e, por vezes, ouço-os no transe da noite.
assolam-me as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas...
e nada escrevo.

o regresso à escrita terminou.
a vida toda fodida - e a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.

a dor de todas as ruas vazias.




al berto

03 setembro, 2006

│belle étoile│




olga roriz, ao canto mais frágil dos sentidos.

│última nudez│



a volúpia de um repouso total no odor da menina que coleccionou beijos, lábios, dentes, de mamilos ao vento e saltos altos cheios de sorrisos e suspiros.
a luta sublime – touché direito ao coração, direito ao pé esquerdo. conversas sem fim sobre as palmas das mãos embriagadas de cartas de amor.
a recordação dos homens que apalpam o batimento das ondas com o desejo excessivo das manhãs adormecidas sem segredos.
a casualidade de um vestido de noite maquiado de ciúme que brinda ao tempo a passar com o seu olhar cego e perfumado.
as flores e os presentes confessados que se afastam num palpitar curioso de um pulso de mulher.
os príncipes protegidos pela música que estremece contra as paredes inquietas da infância. e esse veludo carmesim, que se desfaz, colado ao espelho do baton que gira à volta das nossas loucuras.

o amor ao canto do bar vestido de negro, por olga roriz.

│ponto come│



pois que a linha editorial bloguiana assenta no pressuposto de almas gémas que sofrem do mal do desencontro neste limbo urbano que é nosso.

o estilo de um blogue de engate masculino assenta muito na prosa poética, um valor seguro, pois é fácil constatar a mediocridade de um poema de dez sílabas: é aquele que dá vontade de rir. só os muito bons ou muito doidos se atrevem à poesia pura e dura (embora estes, por acaso, até facturem, pois as mulheres gostam de uma alma que lhes mostre as vísceras moídas, assim tipo ary dos santos mas sem a parte da bicha histérica).

se o blogue for feminino, a temática tende a manter-se, mas a autora terá de mostrar que está disponível, pois a maioria dos homens não está por aí além interessado na invasão de território alheio. ao escrever sobre uma relação acabada, a mulher junta à disponibilidade do presente, a experiência amorosa do passado, tendo embora o cuidado de não cair na lamechice excessiva e de não abusar das reticências (tarefa quase impossível).

quanto ao look da página, no caso deles, quer-se sóbrio, a resvalar para o gótico depressivo e o neurótico-desamparado. templates brancos ou pretos e sem grandes mariquices pictóricas, para que não se lhes questione a virilidade nem o bom-gosto. mas com fotografias: aliás, o blogue masculino de engate que se preze tem de ter fotos, em especial quando é preciso enfeitar para disfarçar a falta de génio (quase sempre): não há mulher que resista ao reflexo da lua nova no olho da gaivota, e ajuda a criar a aura de gajo-national-geographic, ou seja de macho sensível de teleobjectiva às costas e barba de três dias. impõe-se uma postura que apele à protecção, que desperte nelas o sentido do resgate, já que o instinto maternal é coisa tão inata numa mulher, que esta tanto embala nenucos como gatos e está sempre pronta para sentar outros no colo, catar-lhes piolhos e, basicamente, infernizar-lhes a existência. uma fêmea é uma verdadeira máquina de consolar que traz incorporadas doses inesgotáveis de amarfanhanços implacáveis dentro de si, e eles sabem-no.

nos blogues delas, mais floridos e policromáticos, os nicks ou akas escolhidos evocam geralmente heroínas trágico-boazonas com laivos de sedução místico-erótico, tipo lady godiva, mata-hari ou china blue. um truque comum é não indicar de quem são as fotos que expõem com partes do corpo a descoberto, deixando no ar a dúvida se aquela maminha que se antevê será, ou não, da que se assina lady godiva, ou se aquele cavalo branco da foto do post de sábado, foi, ou não, efectivamente, montado por ela em pêlo. num apelo ao voyeurismo masculino, vão deixando cair, por entre poemas e opiniões fortes, bocadinhos da sua intimidade: a copa do sutiã, a altura, a cor dos olhos, o peso (sempre menos de cinquenta e cinco quilos e a maioria tem olhos verdes, parece que a blogoesfera é uma afiliada da central models). gostam de mostrar que sabem cozinhar, mas nada de grosseiro como cozido à portuguesa, só nouvelle cuisine com ingredientes difíceis tipo rúcula, cardomomo e gengibre.

porque o ponto de partida para se ter um blogue, mesmo um que se limite a descrever as últimas descobertas no ramo da física nuclear é sempre o mesmo: darmos vazão a uma loucura contida e arremetermos contra uma espécie de solidão que nos infecta, mesmo que vivamos rodeados de pessoas e tenhamos que nos fazer ouvir aos gritos.

por sofia vieria, em
http://www.controversamaresia.blogspot.com/




os melhores blogues existem fora do computador...

│land of plenty│



poke the body with a stick roll it down
ignore the moaning as it tumbles to the ground
be brave and save your day
these days are cold
numbers rule I've been told
the pattern is clear better fit in the mould
be brave and save your day
to cough up sympathy isn't hard but it costs
hold tight to your life savings
you have to do what you must
to save your day
so poke the body and roll it down
the grave looks cold but we're still young.

always your day.

│the end│

perdeste o nome como eu há muito perdera a infância. trying to stay awake noite turva pelo tamanho do medo and remember my name tentando luc...